Cooperação Formal e Cooperação Material

Comecemos por estabelecer que cooperar, em sentido estrito, é obrar junto com outrem. Cooperar com o mal é, então, ajudar ou favorecer alguém nas suas obras más. Essa cooperação pode ser formal ou simplesmente material.

Chama-se cooperação formal o fato de ajudar com má intenção, ou seja, assumindo as mesmas intenções depravadas do agente principal, tornando-se cúmplice dele. Essa forma de cooperação é sempre ilícita, mesmo que a ação com a qual se coopera seja em si mesma considerada boa; por exemplo, “fazer o favor” de conduzir no próprio carro uma moça à clínica de aborto, ou emprestar o televisor para que um rapaz possa ver um filme pornográfico.

Pelo contrário, na cooperação material concorre-se, de fato, com a materialidade da ação má, mas sem adotar ou até mesmo rejeitando a intenção depravada do agente principal. Seria o caso do dono de uma empresa de material de som que aluga microfone e alto-falantes, os quais serão depois usados para um culto protestante, para uma reunião comunista ou para um concerto rock, nos quais serão propagados princípios e formas artísticas com as quais ele discorda. Ele aluga o material, não para que essas ideias e músicas sejam propagadas, mas para receber uma justa retribuição com a qual sustentará sua família, o que é uma coisa boa.

A liceidade ou iliceidade da cooperação material com o mal alheio depende do respeito simultâneo de quatro condições:

  1. Que o cooperador não procure, nem como fim nem como meio, o resultado mau que o agente principal pretende alcançar (caso contrário, tratar-se-ia de uma cooperação formal, sempre ilícita);
  2. Que a ação do cooperador seja boa em si mesma, ou pelo menos inócua (alugar aparelhos, por exemplo);
  3. Que dita ação tenha um efeito bom, e que esse seja o efeito que se procura ao prestar a cooperação (por exemplo, a justa retribuição do caso acima);
  4. Que esse efeito bom seja um motivo proporcionado para tolerar o mal que resulta da má ação do agente principal.

Seria errôneo pensar que o mero caráter material da cooperação é suficiente para justificá-la. A razão é que a caridade nos obriga a tentar impedir o mal do próximo; e, mesmo que essa obrigação não seja absoluta, ela só pode ser superada por uma obrigação maior, ou seja, por uma razão proporcionalmente grave (obter um bem maior ou evitar um mal maior).

Proporcionalidade no conjunto de efeitos bons e maus

Esse julgamento de proporcionalidade somente pode ser feito prudencialmente tomando-se na devida consideração as circunstâncias de cada caso concreto. Há alguns critérios gerais para ajudar nessa avaliação. Os bens que se pretende alcançar ou os males que se pretende evitar pela cooperação devem ser tanto maiores ou mais graves quanto…

  1. mais grave e daninha for a ação alheia (o pregador ou o palestrante serem muito aliciantes ou a banda rock tocar músicas satanistas);
  2. mais próxima for a cooperação (a firma não somente alugar, mas instalar e manipular os aparelhos de som durante o evento);
  3. mais necessária for a cooperação para que a má ação possa ser realizada (a firma ser a única provedora desses materiais, e sem esse aluguel o evento não poder realizar-se);
  4. maior obrigação tiver o cooperador de impedir a ação má do outro (o dono da firma é, ao mesmo tempo, o prefeito da cidade).

Para esse cálculo de proporcionalidade, o que se deve comparar é o conjunto de efeitos bons e maus que resultarão caso se der a cooperação, em contraste com o conjunto de efeitos bons e maus que resultariam caso ela fosse omitida. Por exemplo, no caso dos aparelhos de som, tratar-se-ia de quantificar o bem e o mal resultantes do aluguel deles (remuneração para a firma, mas, em sentido oposto, propaganda dos erros) com o bem e mal que resultariam de não alugar os aparelhos (boa reputação para a firma e eventualmente não difusão dos erros — caso não haja outro provedor — mas, em contrapartida, diminuição das entradas, risco de falência).

Uma justa avaliação deve levar em conta não somente os efeitos imediatos, mas também os possíveis efeitos colaterais da cooperação, os quais incluem os maus efeitos no pecador (que não encontra obstáculos ao seu pecado, aumentando seu vício), assim como os maus efeitos no próprio cooperador (menor aversão ao mal, ocasiões de tentação pelo contato permanente com pessoas ruins), e ainda o eventual escândalo de terceiros, limitando a capacidade de o cooperador dar a eles um testemunho acreditável de retidão moral.

Recorte de Catolicismo, Agência Boa Imprensa, Edição 843 de fevereiro de 2021, página 6 e 7, disponível em https://catolicismo.com.br/Acervo/Num/0842/P06-07.html

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